Uma crônica de páscoa

Coelhinho de Ostara, lebre da Páscoa ou 
 vice-versa:o que trazes pra mim?









Publicada no Caderno
Mulher Interativa
Jornal Agora - Mar/10
Ilustração: Lorde Lobo









Nada como o sincretismo religioso!
Qual a probabilidade de alguém refletir sobre toda a gama de significados da páscoa e no porquê de seus símbolos, enquanto tem o mais popular deles derretendo lentamente em sua boca? É claro que me refiro ao chocolate, não ao coelho! Num momento como esse, quem é que repara em detalhes insignificantes como um coelho macho pondo ovos de chocolate? Afinal, qual é o problema?

Se a resposta que lhe veio a mente foi “todos”, parabéns! Já se você é daqueles que pensou “nenhum” ou “chocolate, onde?” já aviso que o jornal não é comestível — e que cosméticos com aroma de chocolate são enganosos e extremamente perigosos – eu garanto!

Pois bem, o que se comemora na páscoa? A ressurreição de Cristo, certo? Sim, mas não vamos nos restringir. A páscoa, como a origem da palavra sugere, comemora a passagem. Passagem de Cristo para a vida após a morte, passagem dos hebreus pelo mar vermelho sob a liderança de Moisés durante o êxodo do Egito, ou ainda, uma das mais antigas das celebrações, a passagem das estações no equinócio da primavera boreal (que no nosso lado do mundo acontece só em setembro), data esta que varia de um ano para o outro, daí o porquê da páscoa não ter uma data fixa.

A páscoa é comemorada no primeiro domingo de lua cheia que procede ao equinócio de março.

A chegada da primavera era tão comemorada por representar consequentemente o final do inverno. Ou seja, era o fim da fome, do frio e o prelúdio da bonança, de uma época de fertilidade e abundância, da esperança de uma nova vida — uma espécie de renascimento. Muitas culturas nórdicas ancestrais atribuíam tais bênçãos a deusa da primavera, a quem chamavam de Ostara ou Eostre (dependendo da origem). Seus símbolos eram lebres e ovos cozidos pintados com runas — ambos associados à fertilidade e renovação, respectivamente. A lebre de Ostara pode ser vista: basta olhar com um pouco de imaginação para as manchas que aparecem na face da lua cheia.

Mas e o Theobroma? É claro que o “alimento dos deuses” não poderia ficar de fora! Theobroma cacau, como foi batizado pelo nosso amigo botânico (zoólogo e médico) Linneu, ou só Theobroma, como chamavam os gregos, nada mais é que o cacau – sua bebida já foi considerada ao longo da história como afrodisíaca, hora sagrada, hora profana, aconselhada, proibida... Tudo graças as suas propriedades estimulantes, seu alto valor nutritivo e sabor peculiar. Hoje sabemos que ele traz muitos benefícios, desde que consumido com moderação (diz a chocólatra), além de ser um presente rico em significado! O chocolate, sob as mais variadas formas, é um símbolo de carinho, amor ou amizade, difundido em diversas culturas.

Mas o que o chocolate tem a ver com a páscoa? Hoje em dia, tudo! Devemos agradecer aos confeiteiros franceses por trocarmos ovos de chocolate embrulhados em papéis atraentes e não ovos cozidos enrolados em cascas de legumes, como faziam os antigos no início da primavera — hábito que, no século XVIII, foi oficialmente incorporado pela Igreja como símbolo da Páscoa.

E o que o coelho tem a ver com o chocolate? Bom, reza a lenda que tal associação se deu graças a uma confusão infantil: algumas crianças alemãs que procuravam seus ovos cozidos viram uma lebre passando próxima a eles e... Pronto: até hoje roedores trazem ovos! Lebres ou coelhos, de Páscoa ou de Ostara, desde que sejam de chocolate... Que diferença faz? Quem vai reclamar? Eu, não!


♪ Lebrinha de Ostara, o que trazes pra mim? ♫

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